O que cabe num prato
E talvez passe despercebido
Uma pilha de pratos, ampliada à escala do espanto.
Robert Therrien, artista famoso pelas suas esculturas gigantescas, transformou o banal em extraordinário e pede-nos que olhemos de novo para este objeto: o prato.
Ao elevar o prato a uma dimensão monumental, devolve-lhe a parte simbólica que o quotidiano erodiu.
Há, nesta escultura, algo de familiar e de estranho. Tanto nos faz lembrar a infância (quando tudo parecia enorme), como nos permite ter aquela sensação de que esta pilha de pratos pode ser “nossa”, sem deixar de ser dos outros — que podem sentir o mesmo, já que nenhum prato está identificado.
Therrien mostra-nos que o prato pode ser mais do que um simples objeto para servir alimentos e, dessa forma, dá-nos o mote para entrar num território onde o prato transcende a fronteira do meramente utilitário.
Esta é uma exposição sobre três formas diferentes de ler o prato: o que herdamos, aquele que revela escolhas de consumo e o que recusamos.
Saímos do hall de entrada e à medida que nos aproximamos da primeira sala, parece que começamos a ouvir alguma coisa.
SALA 1 » Empratar a pertença
Há uma mesa posta no centro da sala, com um serviço de loiça completo. Pratos sobre a mesa e pratos na parede, pendurados como arte ou memória materializada.
E o que ouvíamos quando nos aproximávamos desta sala é um áudio que está a ser reproduzido numa coluna, sobre a mesa.
Este som-ambiente povoa a sala com pessoas que não vemos, mas que conseguimos imaginar. Pode ser a nossa família ou amigos.
Refeições passadas, que nos moldaram. Especialmente, quando éramos pequenos demais para escolher e os pratos pareciam rituais de iniciação — a forma como aprendíamos a estar, a pertencer, a compreender o mundo.
Em certa medida, reconhecer o prato também é reconhecer-nos: é ver a avó nas nossas mãos quando cortamos cebola, é provar a infância numa sopa ou saborear a vida adulta com uma nova receita…
De repente, entra um garçon na sala e convida-nos a sentar à mesa. Diz que podemos escolher o lugar que quisermos e, assim que nos sentamos, entrega-nos um menu de perguntas:
🍽️ Como é que o prato da tua infância estava organizado? Consegues visualizá-lo agora - a distribuição dos alimentos, as cores os aromas?
🍽️ Existe algum alimento que, para ti, carrega um significado especial?
🍽️ Às vezes, quando pões a mesa, também te acontece contar com alguém que não está presente?
E eis que chega a hora de abandonar a Sala 1 e de seguir para a próxima.
SALA 2 » Comida e Informação: dois pratos da mesma balança?
Se no passado, o prato nos convidava a parar, a estar, a conviver, hoje em dia, o espaço da refeição é, muitas vezes, invadido pela produtividade e pela estética.
O tempo está contado e o que se mostra está acima do que se saboreia.
Tal como a indústria alimentar desenha produtos para o prazer sensorial imediato (e o serviço de entregas reforça o seu caráter instantâneo), a indústria da informação faz o mesmo com a atenção.
As duas indústrias operam sob o mesmo princípio: a recompensa sem tempo de espera. E, nesse ritmo acelerado, torna-se desafiante ponderar, escolher e digerir - alimentos e informação.
Quando estamos prestes a sair da Sala 2, ouvimos uma campanhia: “Plim!” .
É a campainha de um micro-ondas.
Abrimos a porta do aparelho e, em cima do prato que está lá dentro, temos um cartão com as seguintes questões:
🍽️ Sentes que fazer um detox alimentar e um detox digital são desejos (e necessidades) que se reforçam mutuamente?
🍽️ Na tua relação com o algoritmo, estás a ser servido ou consumido?
🍽️ Se fosses nutricionista de informação, o que excluirias da tua dieta?
Quando saímos da Sala 2, aproxima-se um espaço onde a escolha se torna central.
SALA 3 » O prato recusado
Se na primeira sala herdámos o prato e na segunda o usámos para consumir alimentos e informação, agora chega o momento da escolha e de reconhecer o “não” como opção válida e legítima.
Ao longo da vida, aprendemos a dizer não:
— a alimentos que nos fazem mal;
— a expectativas que não nos servem;
— a rituais que nos oprimem (ou que oprimem outras pessoas).
Cada um de nós, numa determinada fase, encontra o seu limite e é precisamente neste ponto que o gesto de recusar ganha profundidade.
Num mundo que nos empurra constantemente para o excesso, para o consumo ilimitado, para a aceitação passiva, o ato de recusar torna-se também um gesto de cuidado - com o nosso corpo, com os outros, com o planeta.
Quando procuramos a saída desta última sala, avistamos a parede do “Não, obrigado”, um espaço onde cada visitante pode escrever o que não quer no seu prato.
🍽️ “Eu não quero ___________________________________________ no meu prato.”
[Completa esta frase como quiseres. Pode ser uma mensagem para ti, para os outros ou para o mundo.]
À Saída, o que levamos desta exposição?
Três salas. Três leituras do prato.
1. O prato que guarda memórias e deixa saudades
Somos feitos do que nos colocaram no prato quando éramos pequenos demais para decidir. As refeições são ritual de pertença e raíz da nossa identidade.
2. O prato que nos alimenta e informa
Hoje, torna-se difícil saborear alimentos e momentos. Parece que andamos diariamente num comboio de alta velocidade, sem paragens.
Por isso é que precisamos de delimitar as nossas fronteiras e dizer mais vezes “não”.
3. O prato que rejeitamos que nos sirvam
O prato que nos dão não é uma sentença. Embora possamos encontrar mais resistência, recusar é uma opção tão legítima como aceitar.
Um convite antes da despedida
Tal como esta leitura-exposição, também os cursos, palestras e eventos requerem uma triagem e curadoria de conteúdo.
Uma escolha cuidadosa e estratégica daquilo que se inclui (e exclui), como se organiza e de que forma as diferentes peças do puzzle vão interagir.
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Leituras-exposição, uma série especial do Plano de Fuga
Esta série reúne textos que nos convidam a refletir de forma multidisciplinar sobre objetos do nosso quotidiano. Pequenas coisas que carregam histórias, memórias e camadas implícitas.
Cada leitura-exposição oferece três salas, três lentes, três modos de ver o mesmo objeto. Depois do dicionário, da borracha e do pente, nesta edição o destaque foi para o prato.








Adorei o conceito da exposição e sua interpretação do que lá experienciou... Obrigada pela partilha :)