Tic. Tac. Tic. Tac. O tempo passa e os ponteiros só avançam.
O crocodilo do Peter Pan espreita a cada esquina da vida (física e virtual), pronto a lembrar-nos que o instante escapa.
Parece haver sempre algo que nos convoca a atenção: um lembrete, uma notificação, uma mensagem, uma chamada, um pensamento inacabado.
E vemo-nos num compasso de espera: entre o que acabou de acontecer e o que vem a seguir.
O presente tornou-se um lugar estreito, que se preenche depressa demais. Muitas vezes, sem que nós - proprietários - tenhamos assinado a permissão de ser invadidos ou que, de forma inconsciente, tenha havido um pacto para sermos entretidos.
De qualquer forma, assinaturas à parte, o que aconteceu foi que o “aqui e agora” (amplo, oxigenado, tranquilo) se tornou um produto desejado e, por isso, começou a ser prototipado para ser vendido.
A mercantilização do presente
Hoje em dia, abrimos as redes sociais e é fácil encontrarmos algo como:
“5 minutos de meditação para começar o dia com presença.”
Scroll.
“Workshop: Vive o agora | Últimas vagas!”
Scroll.
“Curso online: Mindfulness para Produtividade.”
O presente transformou-se num produto. E, como qualquer ativo, precisa de ser rentabilizado, medido e ostentado.
As práticas que nasceram da contemplação migraram para a lógica da eficiência: quantos minutos estivemos concentrados, quantos dias seguidos meditámos, quantas distrações evitámos.
A presença transformou-se em meta e … em métrica. Em vez de valorizarmos o “estar”, acima dele está o “cumprir” e, infelizmente, o não cumprimento facilmente se transforma em culpa.
E eis que surge um paradoxo: na busca por estar presentes, acabamos por transformar a própria presença em mais uma tarefa.
O desafio da atenção (e da aprendizagem) não performática
A atenção plena nasceu como convite: estar com o que é, sem julgar, sem exigir resultados.
No entanto, na cultura da performance, já se transformou em ferramenta de gestão emocional e em técnica para otimizar ou regular aquilo que, tantas vezes, o mundo não quer ver: cansaço, tédio, vazio.
Talvez o que realmente falte seja a permissão para que a mente se disperse. No contexto da aprendizagem, a atenção fragmentada também comunica algo. Não saltamos de uma ideia para outra apenas por distração.
Aprender é estar presente de forma alternada: mergulhar, afastar-se e voltar com novas perspectivas. Essa oscilação, ainda que nem sempre confortável, permite integrar (e não, apenas, absorver).
A psicóloga britânica Claudia Hammond, no seu livro Tempo Distorcido: Desvendando os Mistérios da Percepção do Tempo (2012), refere que o nosso cérebro percebe e reconstrói o tempo a partir de memórias, emoções e expectativas.
— Quando aprendemos algo novo, o tempo acelera.
— Quando repetimos, desacelera.
— Quando sentimos prazer ou surpresa, expande-se.
Por isso, aprender é moldar o tempo, sem o sabermos. E mais do que montar uma cronologia, assemelha-se a um exercício de topografia - a arte de ler e desenhar o relevo de um território.
Há vales de espera e picos de insight.
Há pausas férteis e becos que, depois, se revelam atalhos.
Talvez a aprendizagem só se torne real quando pararmos de medir o tempo em minutos e começarmos a medi-lo em momentos de transformação - individual e coletiva.
A presença possível
Vivemos num tempo que pede tudo ao mesmo tempo: notícias que não esperam, tarefas que se sobrepõem, pensamentos que atropelam o corpo.
No meio desse ruído, o “aqui e agora” surge como promessa de alívio, que depressa se transforma em mais uma exigência se não nos propusermos a pensar de outra forma.
Por exemplo, no desenho de um curso, de uma talk ou de um evento, queremos que as pessoas estejam “presentes”, sim.
No entanto, importa reconhecer, desde o início, que a atenção é itinerante e que, é quase inevitável, que a mente dos participantes abrirá outras abas (visíveis ou não) ao longo do processo.
E é por isso que quando planeamos experiências de aprendizagem, importa criar condições para que, mesmo com atenção dispersa e fragmentada, cada momento tenha densidade suficiente para ser percebido, sentido e integrado.
O presente absoluto, esse ideal de atenção constante, é uma invenção que nasceu de uma necessidade de controlo e, no limite, amputaria a nossa memória e imaginação - dois pré-requisitos essenciais para uma aprendizagem significativa.
Um convite antes da despedida
🔔 Já reparaste quantas vezes por dia te julgas por “não estar suficientemente presente”?
Pode ser um pensamento rápido “Devia estar mais focada” / “Devia estar a aproveitar melhor”, ou uma sensação difusa de falha: o corpo aqui, a cabeça noutro sítio.
Obrigada por me acompanhares em mais uma fuga!
Sente-te à vontade para partilhar este novo Plano de Fuga com alguém que acredites que gostaria de participar nesta reflexão.
Conto contigo na próxima semana? Espero que sim.