Não precisamos de erradicar o caos
A desordem é a matéria-prima de qualquer possibilidade de ordem
❌ Não estás perdido por escolher mudar de direção mais do que uma vez.
❌ Não precisas de ter tudo estruturado assim que começas.
❌ Não és desorganizado por ter várias ideias e não saber por onde começar.
A ostracização do caos tem raízes profundas na nossa educação e cultura. Desde pequenos, aprendemos que a organização é uma virtude, que o sucesso vem da disciplina e da estrutura, e que o caos é sinónimo de incompetência, preguiça ou falta de controlo.
Fomos educados a acreditar que existe apenas uma forma de sermos produtivos: ordem primeiro, resultados depois. No entanto, a realidade é mais complexa do que esta fórmula sugere.
Nem toda a ordem é produtiva e nem toda a desordem é improdutiva - e talvez já seja tempo de questionar esta visão binária que tanto nos pode limitar.
A ordem como fonte de procrastinação
Por vezes, a obsessão pela “ordem” chega mesmo a paralisar-nos mais do que qualquer caos (aparente ou real).
— Quantas vezes adiamos começar algo novo porque ainda não temos todos os conteúdos “em ordem”?
— Quantas palestras não propusemos porque os slides ainda não estavam “em ordem”?
— Quantos clientes não contactámos porque ainda não tínhamos a nossa abordagem “em ordem”?
Eu própria já passei meses a organizar as ideias para um workshop e a criar mapas mentais, quando, na verdade, estava só a adiar o momento de me sentar e de enviar a proposta.
Organizar dá-nos a ilusão de progresso sem o risco da exposição.
A organização (em modo control freak) funciona assim: "Quando tiver X, Y e Z perfeitamente alinhados, aí, sim, posso começar."
É a crença de que precisamos de adicionar mais planeamento, mais referências, mais sistemas antes de poder avançar.
E, entretanto, aquela ideia que querias partilhar fica asfixiada e até perde brilho - à espera da estrutura perfeita que nunca chega.
Infelizmente, não só raras as vezes que vejo pessoas brilhantes a ficarem agrilhoadas numa preparação sem fim, que passam mais tempo a fazer templates do que a usá-los, que já teriam conteúdo para cinco talks e continuam a acreditar que o que têm ainda não é suficiente.
A necessidade (e a poesia) de algum caos
Já quando falamos da produtividade da desordem, podemos fazer uma reflexão mais profunda: E se o pano de fundo da vida não for a ordem que tentamos manter, mas sim um caos ao qual vamos dando sentido?
Esta não é uma ideia nova. Se olharmos para obras de arte - desde as composições de Bach até à técnica de dripping de Pollock - vemos estruturas que emergem do aparente caos.
Falamos de outro tipo de desordem. Um caos que acaba por ser criatividade em movimento (em vez de um caos que bloqueia a ação).
— Lembras-te daquela vez em que estavas a preparar uma apresentação sobre um tema, acabaste a falar sobre algo completamente diferente e resultou melhor do que o plano original?
— Ou quando uma pergunta imprevista num workshop abriu uma conversa que acabou por ser mais valiosa do que todo o conteúdo planeado?
E não, não estamos a "perder o controlo" da situação nestes casos. Podemos até estar a descobrir uma forma mais orgânica de trabalhar - sozinhos ou em colaboração com outros.
O caos como estado natural, a ordem como construção temporária
A neurociência confirma esta suspeita: o cérebro em repouso não está "organizado", está numa constante atividade que os cientistas chamam de "default mode network". É neste estado aparentemente desordenado que fazemos as conexões mais criativas, que integramos experiências díspares, que temos insights inesperados.
Instala-se uma desordem criativa: múltiplas ideias estão a fermentar ao mesmo tempo, cada uma no seu tempo próprio, sem pressão para se concretizarem de imediato.
Por isso, a obsessão por sistemas com validade vitalícia revela-se não só impossível, como contraproducente.
— Aquela estrutura perfeita que criaste para o teu curso no ano passado? Pode já não servir os clientes deste ano.
— O que parecia "caótico" quando tinhas menos experiência? Pode ser a flexibilidade que precisas agora para trabalhar com vários projetos.
O problema não é a desordem ou a ordem. É vermos estes dois estados como definitivos e opostos irreconciliáveis.
Gilberto Gil disse uma vez numa entrevista: "A ordem é uma flutuação do caos, efémera, passageira. Não há ordens perenes, permanentes. Nesse sentido, não há modelos. Há sempre mudança, mudança, mudança."
Acredito que os projetos mais transformadores surgem quando paramos de forçar estruturas rígidas e começamos a trabalhar com a natureza fluida da criatividade.
Quando aceitamos que algumas ideias precisam de tempo para fermentar antes de revelarem a sua forma final - e que este tempo não é desperdício, é parte essencial do processo.
Não se trata de glorificar a desorganização ou de descartar a utilidade da estrutura. Trata-se de reconhecer que vivemos num mundo complexo e em constante mudança, e que nossa criatividade é uma resposta adaptativa face a essa complexidade.
A desordem que sentes hoje não é definitiva e a ordem que procuras também não será para sempre. Por isso, começa com o que tens. Deixa que o caos te mostre o caminho para a próxima ordem.
Antes da despedida
Se reconheces esta dança entre caos e criação, procuras uma alternativa aos sistemas que te fazem sentir inadequada e queres explorar formas mais orgânicas de estruturar o teu trabalho criativo, há três formas de fazê-lo:
🗺️ Rotas de Aprendizagem - Para quem tem mil ideias para cursos e quer criar uma jornada que honre a complexidade sem perder a clareza.
💬 Workshalk - Para quem tem várias ideias, anotações e referências dispersas e tenciona tirar uma nova palestra do papel.
🙌 Evento-Ecossistema - Para quem deseja dinamizar eventos diferentes do expectável e se sente perdido num mar de possibilidades na hora de montar um alinhamento com início, meio e fim.
As candidaturas estão abertas e o teu caos é bem-vindo. Por isso, se fizer sentido para ti, basta responderes a algumas perguntas e aguardares o meu contacto.
Obrigada pela tua companhia nesta fuga!
Agora, fico curiosa para te ler nos comentários:
❓ Qual é a tua relação com o caos?
❓ Acreditas que a ordem nem sempre tem um papel positivo na tua vida?
❓ Que conselho de organização aprendeste no passado e hoje já não te serve?
Sinto tanto isto de adiar, adiar e adiar só porque não tenho as peças todas ou porque não tenho absoluta certeza e há coisas a serem melhoradas. Ter a noção de tal é incrível e informativo mas não deve ser bloqueador. Muitas vezes, é-o. Bloqueador de mim e dos outros através de mim